14 de maio de 2010

RC, romântico, espiritual e falando também de motel

Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 06 de dezembro de 1981

Poucas vezes se viu algo igual. Para provar de que grandes crises exigem soluções corajosas, o presidente da CBS, disposto a fazer o maior ídolo da empresa, Roberto Carlos, igualar as vendagens do espanhol Júlio Iglesias - hoje um superstar que vende mais de 30 milhões de cópias de cada um de seus discos, determinou que o novo disco de Roberto Carlos tivesse uma promoção extra, com aplicação de mais de Cr$ 10 milhões.

Assim, enquanto outras multinacionais desativam suas áreas de promoção - como a Polygram, está fazendo ao menos no Paraná, para irritação de seus contratados (os últimos LPs de Angela Ro-Ro, Gal Costa e Boca Livre não tiveram até agora qualquer promoção na área de imprensa), a CBS, honesta e organizadamente soube fazer do disco de Roberto Carlos o grande evento deste final d ano e há duas semanas o LP foi para as lojas já com quase 2 milhões de cópias vendidas.

RC deve ser apreciado, sobretudo, como um fenômeno de marketing. Mais do que em termos musicais - estético - artístico, sua presença no ranking da MPB nos últimos 15 anos tem que ser apreciado do ponto de vista de um produto de consumo que, astutamente, tem se adaptado às transformações de seu público. Do cantor jovem-guarda, com canções ingênuas, evoluiu para o intérprete romântico, com as pitadas espiritualistas e eróticas que o mantém num primeiro e único lugar. Assim, caberá, no futuro, os sociólogos, técnicos em marketing, promoção e comercialização [estudarem] este ídolo, que consegue repetir sempre um esquema de fácil consumo e obter, em cada lançamento aceitação extraordinária.

Nesta edição-81, a produção seguiu os mesmos esquemas dos anos anteriores: gravações feitas nos estúdios do [CBS] em Nova Iorque, e no Evergreen, em Los Angeles, com apenas uma mixagem nos estúdios da Sigla, no Rio de Janeiro (ritmo da faixa "Olhando Estrelas", de Eduardo Lages/Paulo Sérgio Valle). Pela primeira vez, as letras das músicas foram incluídas, mas a ficha técnica esquece os músicos que participaram das gravações.

O esquema do repertório também tem todos os macetes para justificar a programação intensa - só no primeiro dia, quarta-feira, 18 de novembro, acredita-se que as músicas foram executadas mais de 3 mil vezes nas emissoras de todo o País, já que a distribuição do disco foi feita de forma paralela a que o mesmo chegasse às emissoras e aos jornalistas praticamente no mesmo dia.

O espiritualismo que no passado já rendeu bons dividendos em "A Montanha", é repetido em "Ele Está Pra Chegar"; a ecologia - preocupação da moda, marca "As Baleias" e o erotismo que no passado fez "Café da Manhã" (ex-"O Motel") escalar as paradas de todos os motéis e FMs do País, tem um novo "clássico" em "Cama e Mesa" - todas, naturalmente composições de Roberto e Erasmo Carlos, que assinam ainda "Tudo Para", "Eu Preciso de Você" e "Emoções". Ter uma música gravada por Roberto Carlos significa [tranqüilidade] financeira, pois os direitos autorais representam milhões de cruzeiros a cada trimestre.

Antigamente, Roberto ficava apenas em suas composições, mas agora ele tem lentamente mas seguramente, dado chance a outros autores. De Maurício Duboc/Carlos Colla, dupla que compõe o seu estilo, gravou o melodioso "Doce Loucura" ("A boca ainda úmida de um beijo/Tocou maliciosamente no meu rosto/E murmurou palavras de desejo/Queimando a minha pele como fogo"). De Mauro Motta/Eduardo Ribeiro, a igualmente aveludada "Quando o Sol Nascer" ("Você pensa que é verdade/É o que vai na sua mente/E se esquece que no amor/Tudo é muito diferente").

De Lages/Paulo Sérgio Valle tem a billaceana "Olhando Estrelas" ("Na madrugada olhando estrelas/Parece que eu ainda estou sonhando/E nessa hora esqueço o tempo/E tanto o sentimento me faz renascer").

Mas, numa primeira audição, a faixa mais interessante - com um arranjo de Zorrie Tito (que divide com Jimmy Wisner, All Caps, Tom Saviano, Olivetti e Eduardo Lages esta parte do disco) ao estilo de fox é a "Simples Mágica", de Regininha, um momento liberto e de enternecimento, neste LP feito para o consumo e que prova ao menos uma coisa: o disco vende, apesar da crise e dos supérfluos. É só saber fazer o bom marketing - no que RC é o melhor produto para os executivos da CBS.

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